202306.05
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QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA TÉCNICA

É certo que o título não traz nenhuma novidade para quem está afeito às matérias, às questões e às polêmicas da previdência privada há algum tempo. Na parte que me toca são 46 anos, o que não significa que sei, mas que estou aprendendo e, por isso, na maioria das vezes não tiro conclusões definitivas.

Como se sabe, a Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, não trazia qualquer disposição sobre a estrutura de administração das entidades de previdência privada fechadas, dizendo, apenas, que seriam organizadas como sociedades anônimas, quando tivessem fins lucrativos, e como sociedades civis ou fundações as entidades fechadas, sem fins lucrativos. Se a norma não dizia expressamente, estava claro que deveriam ser observados, respectivamente, os dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e o Código Civil e o Código de Processo Civil. No mínimo.

A Lei nº 6.435, que entrou em vigor em 1º de janeiro do ano seguinte, foi regulamentada pelo Decreto nº 81.240, de 20 de janeiro de 1978, para dispor especialmente sobre as entidades fechadas de previdência privada. Também o Decreto não tratou da administração, dizendo apenas que as entidades fechadas seriam reguladas pela legislação civil e pela legislação de previdência e assistência social naquilo que fosse aplicável. Forma e conteúdo.

No mesmo ano de 1978, em 09 de outubro, foi editada a Resolução MPAS/CPC nº 01 que expediu Normas Reguladoras do Funcionamento das Entidades Fechadas de Previdência Privada dispondo sobre o registro e a organização, a natureza das prestações, as contribuições, o reajustamento dos benefícios, as entidades de várias patrocinadoras, as normas de atuária e as disposições gerais.

Pois bem. O item 19 da Resolução dizia que a estrutura mínima de qualquer entidade fechada seria constituída de um conselho composto de, no mínimo, 3 membros designados de acordo com o estatuto de cada entidade com funções de controle e superior orientação administrativa e uma administração (leia-se diretoria) composta de, no mínimo, 3 membros dotados de capacidade técnica e integridade reconhecidas.

Adiante, nas disposições gerais, o item 46 da mesma Resolução dizia que as organizações especializadas aptas a dar assistência técnica à constituição e ao funcionamento da entidade fechada deveria ser credenciada pela Secretaria de Previdência Complementar e fazer prova de idoneidade e capacitação técnica, entendendo por capacitação técnica aquela que abrangesse os campos administrativo, atuarial e de investimentos. A régua abaixou em 1994, quando a Resolução MPS/CGPC nº 03 revogou o dispositivo e a idoneidade e a capacitação técnica deixaram de ser exigências para os prestadores de serviços.

O que quis dizer até aqui (e me parece ter dito) é que, desde os primórdios da regulação da previdência privada no Brasil, o legislador entendeu a necessidade da capacitação técnica e da idoneidade no ambiente por várias razões. Parece-me que a principal está no papel que deve ser exercido pelo Estado ao legislar para dar maior proteção aos interesses legítimos de participantes e assistidos, de um lado, e, de outro, pela posição que a previdência privada fechada ocupa na “comunidade de negócios”, como se lê na Nota Explicativa CMN nº 06 que acompanhou a primeira regra de investimento das reservas dos planos de benefícios (Resolução CMN nº460, de 23 de fevereiro de 1978): a sua posição real de importantes investidores institucionais.

Vem, então, a tímida reforma da previdência com a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e traz a previdência privada para o corpo da Constituição para ser regulada por duas leis complementares, a 109 e a 108, ambas de 29 de maio de 2001.

Diferentemente da Lei anterior de 1977, revogada pela Lei Complementar nº 109 em 2001, a nova ordem da previdência privada trouxe a estrutura de governo para as entidades fechadas: conselho deliberativo, diretoria executiva e conselho fiscal. A mesma estrutura, chamada de “organizacional”, foi adotada pela Lei Complementar nº 108 para as entidades patrocinadas por entes de natureza pública.

As leis complementares dispuseram também sobre os requisitos mínimos que devem ser atendidos pelos membros que comporão a estrutura da entidade fechada, esse investidor institucional de caráter multidisciplinar por vezes tão mal compreendido: comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria e nível superior para os membros da diretoria executiva. Também impedimentos são contemplados: não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado e não ter sofrido penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade social ou como servidor público.

Observo que as Leis trazem a exigência de formação de nível superior para os membros da diretoria executiva sem especificar a especialidade remetendo, entretanto, à cumulação de comprovada experiência no exercício das áreas sensíveis à administração da entidade e dos planos por ela operados: financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria. Seriam estas as matérias de formação de nível superior desejado?

Em 2004, 3 anos depois da entrada em vigor das leis complementares, foi editada a Resolução CGPC nº 13, no dia 1º de outubro, para estabelecer princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos para as entidades fechadas e a régua subiu como permitido pela expressão requisitos mínimos. O que a Resolução de 1978 chamou de capacidade técnica a Resolução nº 13 chama de imprescindível competência técnica e gerencial compatível com a exigência legal e estatutária e com a complexidade das funções que devem ser exercidas pelos conselheiros, diretores e colaboradores.

Se a Resolução não dá inteira resposta à pergunta feita acima, parece-me, sem tirar conclusão definitiva, que a Resolução acresce e conduz para interpretação daquele requisito mínimo da Lei Complementar. Assim, a formação de nível superior para os membros da diretoria-executiva deve ser compatível com a exigência legal e estatutária e com a complexidade das funções que devem ser exercidas. Não se deve esquecer, de outro lado, que a isso se soma a comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria.

De outro lado, a Resolução nº 13 voltou e exigir que empresas e profissionais contratados tenham qualificação e experiência adequadas às incumbências, não se restringindo, portanto, aos campos administrativo, atuarial e de investimentos como estava na regra de 1978.

Com a adoção do princípio da precaução, sustentado na prudência (fundamento ético) e na segurança (fundamento jurídico), a nova Resolução (hoje não tão nova, mas muito atual) ampliou a importância do preparo técnico do conselho fiscal que passa a ser o encarregado de emitir relatórios de controles internos apontando ao conselho deliberativo, no mínimo semestralmente, os riscos identificados na gestão da entidade, na gestão dos investimentos, na gestão dos planos de benefícios e de gestão administrativa, enfim, em todas as políticas e em todos os controles aprovados pelo conselho deliberativo e executados pela diretoria. São cautelas para evitar danos muitas vezes irreversíveis, uma vez que não há possibilidade de risco zero.

Perguntas? Várias:

  1. Ao dizer requisitos mínimos, a Lei Complementar nº 109 autoriza normas inferiores, inclusive o estatuto da entidade fechada de previdência complementar, trazer novos requisitos (ou pré-requisitos) para a indicação ou eleição de conselheiros e executivos?
  2. Ao dizer comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria e colocar como pré-requisito também a formação de nível superior para os membros da diretoria executiva, sem especificar a especialidade, a Lei Complementar nº 109 deve ser interpretada no sentido de que a formação acadêmica tenha similitude com a experiência?
  3. A compatibilidade da imprescindível competência técnica e gerencial com a exigência legal e estatutária e com a complexidade das funções que devem ser exercidas pelos conselheiros e executivos (e colaboradores) deve ser admitida como outro pré-requisito que se somará aos mínimos enunciados na Lei Complementar nº 109?
  4. Comprovada a experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria e a formação de nível superior, independentemente ou não da área acadêmica, a complexidade das funções legais e estatutárias devem ser avaliadas vis à vis os pré-requisitos?

Para ficar por aqu,i e preferindo as dúvidas do que as certezas, observa-se que, com o tempo passando, a régua continuou subindo a partir de 2015, quando foram editadas as primeiras normas sobre os processos de certificação e habilitação para o regime fechado, hoje revogadas pela Resolução CNPC nº 39, de 30 de abril de 2021 (sem esquecer da Resolução CNPC nº 35, de 20 de dezembro de 2019). São matérias importantes, que podem ser objeto de reflexões futuras.

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