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BREVE ANÁLISE SOBRE O ARTIGO 26 DA RESOLUÇÃO CNPC Nº 59/2023

No dia 15 de dezembro de 2023, o Diário Oficial da União deu publicidade ao texto da Resolução CNPC/MPS nº 59 aprovada pelo Colegiado na sua 49ª Reunião Ordinária, realizada no dia 13 do mesmo mês, e que traz a seguinte e primorosa ementa: Dispõe sobre a retirada de patrocínio, o Plano Instituído de Preservação da Proteção Previdenciária, o Fundo Previdencial de Proteção da Longevidade e a rescisão do convênio de adesão por iniciativa da entidade fechada de previdência complementar no âmbito do regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar.

A primeira questão que me vem à mente é se o CNPC pode legislar fora do âmbito do regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar. Parece-me que não.

Deixando para outra ocasião os comentários sobre a via crucis que terá o patrocinador que percorrer sob uma saraivada de penalidades e despesas não contratadas, chama a atenção (pelo menos a minha) o artigo 26, que deu nova redação ao artigo 24 da Resolução CNPC nº 53/2022, agora revogada. Realmente, o artigo 24 dizia que o disposto nesta Resolução aplica-se somente aos processos de licenciamento de retirada de patrocínio protocolados na Superintendência Nacional de Previdência Complementar após o início da sua vigência.  Vem, então, o artigo 26 da nova norma e diz que o disposto nesta Resolução aplica-se aos processos de licenciamento de retirada de patrocínio em andamento, pendentes de autorização pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar.

Penso, então, sobre os processos de licenciamento de retirada de patrocínio em andamento: se estão em andamento, não teriam sido instruídos de acordo com a norma anterior? E se estão somente pendentes de autorização, essa pendência de um ato administrativo permite que a nova norma tenha efeito retroativo para alcançar todos os atos praticados segundo a norma anterior? Também me parece que as respostas não favorecem a nova regra e, ao contrário, podem gerar mais um risco para o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar: o risco do contencioso apoiado na doutrina, legislação e jurisprudência pátrias, o que poderá prejudicar, inclusive, o tão perseguido fomento do regime.

Realmente, começando pela Constituição da República Federativa do Brasil, o direito de litigar está garantido porque a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV); porque o direito constituído será preservado já que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (artigo 5º, XXXVI); porque a regra geral  de irretroatividade da lei só abre exceção no campo penal, uma vez que a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (artigo 5º, XL).

Para ficar com a “doutrina da casa”, diz Alexandre de Moraes[1]:

O princípio da legalidade é basilar na existência do estado de Direito, determinando a Constituição Federal sua garantia, sempre que houver violação do direito, mediante lesão ou ameaça (art. 5ª, XXXV). Dessa forma, será chamado a intervir o Poder Judiciário, que, no exercício da jurisdição, deverá aplicar o direito ao caso concreto. (…)

Importante, igualmente, salientar que o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue.[2]

Continuando, Alexandre de Moraes vai buscar a doutrina de Celso Bastos sobre o direito adquirido protegido pelo texto constitucional:

“constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entretanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra.”

Situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, diz o ilustre Professor Celso Barros. Parece-me ser exatamente a hipótese que o artigo 26 da Resolução CNPC/MPS nº 59 pode estar afrontando na sua redação, ao permitir que seus dizeres se apliquem aos processos de licenciamento de retirada de patrocínio em andamento, pendentes de autorização pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar. A uma, porque os processos de retirada de patrocínio em andamento assim estavam nas condições contratadas entre o patrocinador do plano de benefícios e o seu administrador – a entidade fechada de previdência complementar que, através dos seus órgãos de administração, atuaram no interesse de participantes e assistidos. A duas, porque os documentos firmados à época – convênio de adesão e regulamentos dos planos – foram chancelados pelo órgão de supervisão e fiscalização do regime. A três, porque o exercício das competências da Autarquia só pode se dar em obediência aos princípios que regem os atos da Administração Pública, de acordo com o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, destacando-se o da legalidade, sob pena de nulidade. Finalmente, mas não pela ordem de importância, porque não há como desprezar, por mais que se argumente, que os documentos aqui referidos – regulamentos dos planos de benefícios e convênios de adesão – além de espécies de contrato, são, por isso mesmo, atos jurídicos perfeitos, também na doutrina do Professor Celso Bastos, trazida por Alexandre de Moraes[3]:

É aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários à sua formação, debaixo da lei velha. Isto não quer dizer, por si só, que ele encerre em seu bojo um direito adquirido. Do que está o seu beneficiário imunizado é de oscilações de forma aportadas pela lei nova.

Basta isto: do que está o seu beneficiário imunizado é de oscilações de forma aportadas pela lei nova. A vacina está dada pelo texto constitucional, o que pode traduzir a inconstitucionalidade e a ilegalidade do artigo 26 da Resolução CNPC nº 59, nesta rápida avaliação, porque outras disposições da mesma norma também merecem análise, o que farei posteriormente em face do texto constitucional e das leis complementares que o regulam.

Enfim, o fomento do regime de previdência complementar fechada depende, especialmente, da segurança das relações jurídicas que o Estado Democrático de Direito deve proporcionar e proteger. Em resumo, “é disto que se trata”, sem adentrar em considerações sobre vigência e eficácia da norma jurídica, o que também pode ser feito.

[1] Direito Constitucional, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006

[2] Pág. 71/72

[3] Pág. 74

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