202306.19
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O MANDATO E SUAS FORMALIDADES

(a segurança do negócio jurídico)

Recebi, recentemente, uma consulta sobre a exigência de procuração pública para a representação do titular de direito em negócio jurídico de natureza privada. Observa-se que, embora, a “procuração” seja um assunto recorrente nas organizações e que aparenta ser um tema simples e trivial, é um instrumento de grande importância e complexidade e que se não for bem observado pode gerar confusão e até causar prejuízos às organizações.

De acordo com o código civil, a procuração é o “instrumento do mandato”. Mas, o que seria o mandato?

A etimologia do mandato (latim “Mandatum”) vem de MANUDARE (manu “mãos” e dare “dar”), isto porque, antigamente, a pessoa que dava o encargo e a pessoa que o recebia firmavam o pacto através de um simples aperto de mãos. Este ato era o suficiente para que as pessoas firmassem um negócio jurídico. No entanto, hoje, este singelo ato não é suficiente para atestarmos a confiança de uma pessoa depositada a outra, sendo utilizada a procuração para instrumentalização do mandato.

Todavia, a procuração é mais complexa do que a simples definição trazida no código civil[1], uma vez que não está limitada a mero instrumento formal utilizado para delimitar os poderes concedidos pelo mandante ao mandatário.

O mandato é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa recebe poderes de outra para em seu nome praticar atos e/ou administrar seus interesses. É, portanto, uma relação contratual que interessa, de início, somente as partes contratantes – aquele que dá o “poder” de representação e àquele que recebe o poder para praticar o ato ou administração do interesse daquele. Por sua vez, a outorga do “poder” de representação se dá através de uma declaração unilateral de vontade (que também é um negócio jurídico) chamada de “procuração”.

Assim, a “procuração” encontra dois significados: o primeiro diz respeito ao negócio jurídico unilateral e o segundo àquele que está previsto no código civil e que se refere ao próprio instrumento do negócio jurídico.

Desta forma, por se tratar de negócio jurídico, a procuração deve observar os requisitos de validade previstos no código civil: agente capaz, objeto licito, possível ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei[2].

No que diz respeito ao mandato, o código civil estabelece que todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante. Extrai-se do texto da norma que: 1°) a forma prescrita pela lei só pode ser a escrita (pois é a única que comporta assinatura) e o instrumento é particular (não precisa de intervenção do Poder Público para sua formalização); 2°) deve conter a assinatura do outorgante; e 3°) o outorgante deve ser capaz, na forma da lei. Sem estes três requisitos, a procuração não terá validade.

Em que pese a legislação permitir a “liberdade” de forma do contrato, devemos sempre levar em consideração a importância do ato que será praticado, não sendo recomendável que atos que envolvam interesses patrimoniais sejam outorgados através de simples assinatura do mandante. É por esse motivo que o código civil facultou ao terceiro com quem o mandatário tratar, a possiblidade de exigir que a procuração traga a firma reconhecida[3].

A legislação dispõe, ainda, que a procuração deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.   Aqui está o quarto requisito que deve ser observado com muita cautela, pois se na procuração não estiver expressamente determinado pelo mandate o ato que será praticado, o mandatário não terá permissão para executá-lo, sob pena de incorrer em ato ilícito e pagamento de indenização pelos prejuízos causados ao mandante. O mesmo ocorre com o terceiro que, conhecendo os poderes concedidos na procuração, permitir que o mandatário celebre negócio jurídico ou pratique ato que não tenha sido expressamente outorgado pelo mandante.

As mesmas observações devem ser feitas em relação ao mandato judicial, pois, embora, esteja consignado à cláusula “ad judicia”, ou seja, “as coisas dos tribunais” ou “as coisas da justiça”, por ser um instrumento de natureza privada e que não requer formalidades, pode ser, também, “ad judicia et extra” que significa “extrajudicial”, permitindo que o mandatário (advogado) pratique atos que vão além do processo judicial.

Neste último caso, embora o mandato judicial esteja subordinado às normas do código do processo civil, por se tratar de procuração que possibilita ao advogado praticar atos que ultrapassam a esfera judicial e alcançam a esfera privada, aplicam-se, supletivamente, as regras previstas no código civil. De modo que, quando se tratar de procuração “ad judicia et extra” o terceiro poderá exigir o reconhecimento da firma do mandante.

Quanto à exigência de procuração lavrada por instrumento público, conforme dito anteriormente, sua obrigatoriedade é prescrita em lei, como, por exemplo, ocorre no caso de venda e doação de bens imóveis.

Dito isso, tem-se que a imposição de procuração por instrumento público pelas entidades fechadas de previdência complementar para o recebimento de benefício ou representação de interesses relacionados ao plano previdenciário por terceiro ou advogado, pode ser compreendida como excesso de procedimento que dificulta ou impede o beneficiário ou participante de obter ou executar algo que a eles pertençam por direito, uma vez que sua exigência não encontra qualquer amparo legal. Este “excesso” de procedimento, chamado de burocratização, deve ser evitado pelas entidades para que não seja judicializado, demandando custo com despesas judiciais e pagamento de indenizações.

O Poder Público há muito tempo tem esta compreensão. Observa-se que o Programa Nacional de Desburocratização[4] foi instituído em 1979. Em 2017 foi publicado o Decreto n° 9.094 que simplificou o atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos e dispensou o reconhecimento de firma e autenticação em documentos produzidos no País.

De outro lado, quando se está diante de representação de direitos patrimoniais, é compreensível que as EFPC necessitem de maior segurança na prática do ato, até mesmo para eventuais fins comprobatórios.

Assim, para certificar-se da legitimidade do ato de vontade do mandante, pode ser exigido o reconhecimento de firma por autenticidade, uma vez que esta prática obrigará o mandante comparecer ao cartório e comprovar sua identidade perante o Tabelião e, diante dele, assinar o documento de procuração. Pode ser utilizado, também, a assinatura eletrônica obtida por meio de uma autoridade certificadora oficial, credenciada na Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, visto a sua validade é reconhecida legalmente[5].

Ainda para fins de segurança, a entidade pode adotar alguns procedimentos, tais como: 1) conferir se a procuração preenche os requisitos legais; 2) conferir a assinatura do mandante com documentos internos (contratos, formulários e cópia de documentos); 3) consultar situação cadastral do advogado na OAB e; 3) consultar a inscrição e a situação da sociedade de advogados na OAB, quando for o caso.

Por fim, as EFPC podem estabelecer outros procedimentos internos de segurança, sendo recomendável, contudo, a utilização do bom senso e do critério de razoabilidade para a sua exigência.

[1] Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.

[2] Art. 104

[3] §2° do art. 654 do Código Civil

[4] Decreto 83.740/197

[5] §1° art. 105 do Código de Processo Civil – “A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei”.

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