COMO FAZER NOVAS REGRAS PARA INFLUENCIAR A COISA CERTA
“As perdas em investimentos somavam, segundo dados do balancete referente a dezembro de 2022, valores superiores a 51 milhões de reais. Tais perdas concentram-se no fundo de investimento XXXXXX, que tem a XXXXXX como única cotista, e referem-se a investimentos praticados a partir de 2013, e que tiveram seus valores contabilmente provisionados a partir de 2019. Tais investimentos, conforme descritos na Ultimação de Instrução, ocorreram no período em que o fundo era gerido pela XXXXXX e administrado pela XXXXXX. Sucessivas fiscalizações da Previc apontaram que tais investimentos foram eivados de irregularidades, tanto durante o processo decisório quanto no acompanhamento e monitoramento.” [2]
Este artigo ia seguindo sem título enquanto não conseguia apontar a responsabilidade pelos fatos que ensejaram a intervenção na entidade fechada de previdência complementar (EFCP), conforme transcrito acima. Vou tentar dizer porquê.
Primeira dúvida (de muitas, porque sou adepta delas e não das certezas):
- Se estávamos em 2013 quando os investimentos das reservas foram feitos, a Resolução CGPC nº 13/2004 vigorava há nove anos, o que quer significar que seus princípios e padrões de conduta dos administradores (membros do conselho deliberativo e diretoria executiva) já se submetiam a eles: prudência, lealdade, diligência, boa-fé, ética, transparência, capacidade técnica, integridade, alinhamento com os interesses do plano de benefícios e da EFPC, além da preservação dos direitos dos participantes e assistidos.
- Além disso, e no mesmo grau de importância, a Resolução introduziu a regra de identificação, avaliação, controle e monitoramento de todos os riscos que possam comprometer a realização dos objetivos das EFPC, observando que elas devem adotar esses princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos de forma razoável conforme o porte, a complexidade e os riscos inerentes aos planos por elas operados.
- Também desde 2004, a Resolução traz importante comando no § 1º do art. 1º, que nunca deve ser esquecido: a EFPC deverá observar padrões de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente e da própria EFPC, no conjunto das suas atividades.
- Ou seja, para cumprimento dos seus deveres fiduciários, administradores e membros do conselho fiscal devem se orientar por um conjunto de atitudes técnicas e éticas, que deles esperam participantes, assistidos, patrocinadores, instituidores e todas as demais pessoas naturais ou jurídicas que se relacionam com a EFPC, como também espera o órgão de fiscalização e supervisão do regime fechado de previdência complementar privado e fechado (PREVIC). Esperam, no mínimo, a observância do que está na legislação, porque o que não está lá é ilimitado de acordo com o porte, complexidade e riscos inerentes aos planos de benefícios operados pela EFPC, ressaltando que especialmente a moralidade interna não deve ter barreiras ou limites. Como isso tudo vem sendo praticado?
A segunda dúvida é quanto ao papel que deve ser exercido pelo órgão encarregado pela fiscalização e pela supervisão baseada em risco desse regime fechado.
- De acordo com a Lei nº 12.154, de 23 de dezembro de 2009, compete à Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC dentre um grande elenco de providências proceder à fiscalização das atividades das EFPC e de suas operações, além de apurar e julgar infrações e aplicar as penalidades cabíveis.
- Mas, além de fiscalizar, a PREVIC deve adotar a metodologia da supervisão baseada em risco (SRB), conforme regra de 2009, a Recomendação CGPC nº 02, de 27 de abril, junto às EFPC e aos planos por elas operados, de forma direta e indireta, de acordo com metodologia que compreende (vejam que interessante) aquelas mesmas orientações da Resolução CGPC nº 13, editada cinco anos antes da Recomendação: a identificação, a avaliação, o controle e o monitoramento da exposição a riscos que possam comprometer a realização dos objetivos das EFPC (que não são outros senão cumprir o contrato previdenciário de acordo com as regras dos regulamentos dos planos) e de cada plano por elas operados.
- Também se espera, de acordo com o texto da Recomendação, que a SRB exercida pela PREVIC leve em consideração o porte, a diversidade e a complexidade atinentes às EFPC e aos planos por ela operados que são, conforme regulações posteriores, não só planos de benefícios, mas também planos de gestão administrativa.
- Teria passado despercebido, desde 2013, mesmo depois de “sucessivas fiscalizações da Previc” apontarem “que tais investimentos foram eivados de irregularidades, tanto durante o processo decisório quanto no acompanhamento e monitoramento” que o resultado não seria “dos melhores”, culminando com a intervenção?
A terceira dúvida me parece vir de considerações (poucas) açodadas com relação ao conteúdo da Resolução PREVIC nº 23 recentemente republicada com ajustes pontuais no texto de 14 de agosto de 2023.
- A Resolução incorpora ao seu texto 40 normativos publicados desde 2007 (e por isso revogados), por capítulos, segmentando as matérias e facilitando a consulta num texto consolidado, uma vez que todas elas tratam da multidisciplinariedade da previdência complementar fechada.
- Logo de início se reporta ao princípio basilar da velha e boa (na verdade é ótima) Resolução CGPC nº 13/2004: cada EFPC deve ser olhada e tratada como ela é. Repetindo o que já dito aqui: as EFPC devem adotar princípios, regras e práticas de governança, gestão e controles internos adequados ao porte, complexidade e riscos inerentes aos planos de benefícios por elas operados, de modo a assegurar o pleno cumprimento de seus objetivos.
- Mais uma vez repetindo a Resolução CGPC nº 13, a consolidação da PREVIC trata da instituição da auditora interna como opção das EFPC, bastando ler o art. 6º: o conselho deliberativo poderá instituir auditoria interna que a ele se reporte, para avaliar de maneira independente os controles internos da EFPC.
- Mas, fica uma regra de SBR para a constituição de comitê de auditora obrigatoriamente para as EFPC enquadradas no segmento S1, para as que eram (e continuam sendo) sistemicamente importantes (ESI). Da mesma forma, regras de SBR são reforçadas na atividade de fiscalização que, a partir de agora, devem observar não só os princípios, mas se conduzir com foco nos controles de riscos presentes em cada EFPC (adequados ao porte e à complexidade de cada uma); dando ênfase à responsabilidade de cada colegiado e de cada órgão (na exata proporção e conteúdo que lhe são atribuídos pela Lei, pelo estatuto e regimentos internos); ao desenvolvimento de ações que privilegiem a orientação e guiem para a adoção das melhores práticas de governança (lembrando que se trata de processo em permanente construção); ao tratamento desigual para as EFPC desiguais (o que leva à Resolução CGPC nº 13 mais uma vez).
- Parece-me também, pelo que meus ouvidos moucos têm percebido, que há alguma dificuldade com relação ao ato regular de gestão, que não deve, porque não pode, ser considerado infração. Só para lembrar (desculpem, será a última vez): a Resolução CGPC nº 13 já chamou a atenção para o ato regular de gestão que, por ser regular, pode ser amparado por seguro contratado pela EFPC em favor de dirigentes, ex-dirigentes, empregados e ex-empregados segundo condições e limites fixados pelo conselho deliberativo.
- O ato regular de gestão está entre nós, portanto, desde 2004 e também há algum tempo vem sendo contemplado em decisões da Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), ainda que a denominação não lhe seja dada. Não vejo como considerar polissêmico o termo regular, termo que só pode ser entendido como reto, sem qualquer atalho que o conduza à ilegalidade, à má-fé, à fraude, ao despreparo técnico e gerencial (desculpem, mas tenho que invocar a Resolução CGPC nº 13: é imprescindível a competência técnica e gerencial, compatível com a exigência legal e estatutária e com a complexidade das funções exercidas, em todos os níveis da administração da EFPC, mantendo-se os conselheiros, diretores e empregados permanentemente atualizados em todas as matérias pertinentes às suas responsabilidades).
- Haveria alguma dificuldade em aplicar o conteúdo (não me refiro à definição) que foi dado ao ato regular de gestão pela Resolução PREVIC nº 23?
Para encerrar, mas sem respostas às minhas dúvidas (e sem querer fazer rimas), uma citação para reflexão:
“Uma decisão racional”, assinala Giannetti, “seria aquela baseada num levantamento completo de todas as informações relevantes, de modo a eliminar ao máximo a incerteza sobre a viabilidade e o retorno do investimento. Mas como chegar lá? Quanta informação seria necessária para se tomar uma decisão racional?”
Encaminhar a resposta exige mais reflexão. Como escreveu Giannetti: “A informação não é a informação que se quer. A informação que se quer não é a informação da qual se precisa. A informação da qual se precisa não é a informação que se pode obter. A informação que se pode obter custa mais caro do que se quer pagar”. [3]
[1] Por suposto, não quero e nem conseguiria plagiar Dale Breckenridge Carnegie com o título do seu livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, que meu pai me entregou para ler há muitos anos, no início da minha adolescencia.
[2] Relatório Final de Comissão de Inquérito da Previc
[3] COSTA, Roberto Teixeira; Crises Financeiras – Brasil e mundo (1929-2023); Coord. Fábio Pahim Jr.; 1ª ed. – São Paulo; Ed. Schwarcz; pág.37